O Legado de Joan Rivers, a comediante que abriu caminho para mulheres na TV
Quem ouve falar de Joan Rivers logo pensa na comediante ácida, que alfinetava todas as celebridades desde a forma como elas se vestem, pelo seu tipo físico ou que fazia de desastres motivo de piada. A fama de uma humorista desrespeitosa e que não conhece limites porém abafa uma história brilhante e pouco reconhecida atualmente. A história da primeira mulher que ousou surgir na TV fazendo comédia em um ambiente dominado por homens. Que passou por cima de todos os preconceitos e mudou a história do humor.
Joan Alexandra Molinsky era filha de imigrantes russos e nasceu no Brooklyn em 08 de junho de 1933. Ela estudou toda a sua vida no Brooklyn, e era uma excelente aluna. Foi laudeada com louvor na Barnard College, onde se formou em Inglês em 1954. Mas ela queria ser uma atriz dramática. Ela cresceu para ser Joan Rivers - a estrela que faleceu no dia 3 de setembro de 2014 com 81 anos.
Verborrágica, ácida e com uma voz cortante, foi uma das celebridades que mais trabalharam no show business. Seu currículo inclui 12 livros, roteiro e direção de um filme (Teste Coelho, 1978), muitas aparições em talk-shows, seu próprio talk show, dois discos de comédia, um aclamado documentário (Joan Rivers: A Piece of Work, 2010), ganhou uma temporada de The Celebrity Apprentice, seu próprio reality show com sua filha, Melissa (Joan Knows Best), inúmeras performances de stand-up por décadas, e, mais recentemente, a apresentação do Fashion Police.
Com uma carreira tão longa, como Joan Rivers será lembrada?
Suas piadas sem-limites e seu rosto cirurgicamente modificado são o que mais circulam na mídia e provavelmente nas mentes da maioria das pessoas. Mas Rivers tem uma influência e um legado que deve ser reconhecido.
Ela começou sua carreira de um modo diferente. Ela se apresentou em um trio de comédia popular, "Jim, Jake & Joan" no início dos anos 50 e com um stand-up em cafés e discotecas de NY na década de 1960. Mas a comédia "Hipster" não funcionou para Rivers. A cena de Nova York era dominada por homens - Woody Allen, Lenny Bruce, Mort Sahl - muito mais que o cenário cultural em geral.
Mudando seu sobrenome para Rivers, ela começou a trabalhar no campo da auto-depreciação feminina. Isso a fez sentir-se segura no palco, virando suas piadas afiadas e ácidas contra si mesma. Foi nesse momento que Joan começou a surfar contra o mundo que sempre se posicionava contra a mulher. Em um stand-up histórico na abertura do The Ed Sullivan Show ela protestou contra a dificuldade de encontrar um homem, questionando por que isso era algo pelo qual a mulher era julgada.
Aparições no The Tonight Show com Johnny Carson a levaram ao sucesso e à fama mainstream. Ela foi por algum tempo a performer mais bem paga de Las Vegas, mesmo entre os homens. Em 1987 ela recebeu uma proposta para apresentar seu próprio show de TV na Fox por US $ 10 milhões. Após o sucesso inicial, ela começou a enfrentar problemas com a censura da emissora e ciúmes do seu antigo parceiro de trabalho.
Seu show foi cancelado e logo em seguida seu marido Edgar Rosenberg cometeu suicídio. Ela não conseguiu um novo show na TV porque as redes achavam que ela tinha um amante enquanto casada (seu ex-marido tinha dito isso). Mas ela conseguiu superar tudo isso com bom humor. No documentário em que foi objeto ela comentou. "Após Edgar se matar, eu saí para jantar com Melissa (filha). Eu olhei para o menu e disse: 'Se o papai estivesse aqui para ver esses preços, ele se mataria mais uma vez.' "
E o mundo estava ficando cada vez mais saturado de celebridades. Um novo nicho de notícias surgia com fome de conteúdo. A demanda por informações sobre as celebridades crescia e isso ocupava um espaço na mídia cada vez maior. Rivers estava lá para o nascimento deste novo segmento.
O estilo de humor "Snark" que ela adotou (termo cunhado por Lewis Carol para definir um animal imaginário sobre o qual todos querem saber, mas que é difícil de encontrar) funciona de forma eficaz e um tanto inofensiva contra celebridades. Mas esse tipo de humor não funciona com o resto do mundo, é tido como antiético. E foi aí que Joan irrompeu o trágico espetáculo.
Certa vez ouvi em uma entrevista de uma celebridade aleatória que ela acha bom receber críticas ácidas de humoristas, pois isso a ajudava a ter uma "casca mais grossa" e ser mais imune à críticas negativas que as mulheres que ficam em evidência recebem diariamente. De certa forma é possível encarar esse tipo de humor de Joan Rivers como uma contribuição às celebridades que se exibem para o mundo mas talvez não estão tão preparadas para ouvir o que o mundo tem a dizer sobre elas. Porém, fazer humor de desastres que envolvem pessoas comuns, que não têm a "casca grossa", é algo extremamente delicado e quase sempre de mal gosto.
Por isso, as observações de Joan sobre o 9 de setembro ("Encontre-me para almoçar no 'Windows on the Ground' ", referência ao famoso restaurante no topo do World Trade Center 'Windows on the World' ), sobre o Holocausto ("A última vez que um alemão pareceu tão quente [sobre Heidi Klum] foi quando eles estavam empurrando os judeus para os fornos ") e, mais recentemente, sobre os palestinos são muito difíceis de conciliar.
Não saber conciliar esses dois mundos (o mundo real e das celebridades) foi o que fez com que Joan fosse mais conhecida pela falta de sensibilidade aos fragilizados por tragédias do que pela seu humor sagaz, inteligente e sempre afiado.
O humor auto-depreciativo formou a base de sua carreira, e ela continuou a tirar sarro de si mesma por décadas. A ponto dela usar suas próprias cirurgias plásticas como material de sua comédia. Um trabalho que, mesmo nem sempre funcionando, abriu caminhos para as mulheres na televisão (The Mo'Nique Show, Chelsea Lately, Ellen Degeneres) e na comédia (Sarah Silverman, Amy Poehler, Tina Fey, Julia Louis-Dreyfus). Ela também deu voz a diferentes tipos de mulheres que não eram visíveis: as viúvas, mulheres que enfrentam o envelhecimento, mulheres furiosas.
Se eu fosse tão talentoso quanto ela faria aqui alguma piada sobre a morte dela. E eu sei que ela gostaria de ler. Mas infelizmente eu não sou. E poucos um dia serão.
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