Whedonverse: O universo de Joss Whedon e as séries mais humanas da TV



O escritor, diretor, desenhista, compositor e ator Joss Whedon possui um currículo gigantesco e é um velho conhecido dos geeks. Mas só recentemente começou a ganhar visibilidade na mídia pop com o sucesso de sua versão de "Os Vingadores" no cinema. 

O que destaca Joss Whedon entre os roteiristas e diretores dessa nova geração é sua habilidade única de contar histórias de fantasia com os personagens mais humanos como jamais vistos na ficção. Seja entre vampiros, heróis nórdicos, espaçonaves futuristas, ou entre cientistas em um mundo pós-apocalíptico, seus personagens crescem, amadurecem e apresentam angústias e complexidades com as quais cada um de nós nos identificamos.

E sua principal característica é sempre oferecer heroínas fortes, mulheres complexas que elevam o termo "girl power" a um outro nível.

Abaixo destaco as melhores histórias (séries, filmes e web-séries) do Whedonverse (como os fãs chamam o universo de Joss Whedon):

1. Buffy - A Caça-Vampiros (Buffy, The Vampire Slayer)




Quando estreou na primavera de 1997, em uma rede pequena ainda lutando para forjar a sua identidade, a idéia de que Buffy The Vampire Slayer se tornaria uma das séries de TV mais influentes de todos os tempos teria parecido risível. Baseada em um filme trash que recebeu críticas muito negativas, a série chegou sem estrelas a uma emissora pequena que decidiu entregar o controle do show a Joss Whedon, o homem que escreveu o roteiro original. Ele nunca tinha sido um showrunner, e ele ainda era muito jovem, tinha acabado de completar 30.

No entanto, no final de suas sete temporadas, Whedon e Buffy tinham reinventado a cara da televisão. Buffy foi inovadora em diversos segmentos, mas principalmente no storytelling e no desenvolvimento de personagens. Whedon partiu da premissa de heróis que enfrentam um vilão principal por temporada, mas foi Buffy que deu um nome a essa ideia, o Big Bad. Então, quadrinhos da Marvel, filmes clichê de terror, romances LGBT e dramas feministas foram atiradas na mistura, e o que surgiu foi algo que até então não se enquadrava em nenhum desses gêneros e a todos eles ao mesmo tempo.

Buffy é talvez mais famoso por sua ousadia, de enredo e estilística. A série começou como uma história de ultra-baixo-orçamento de uma adolescente  que é uma típica estudante de ensino médio de dia e uma assassina de monstros à noite. Interpretada por Sarah Michelle Gellar, Buffy vive uma jornada angustiante de heroína ao longo da série, começando como uma jovem arrogantemente confiante e aos poucos percebendo o quão difícil é ter tão grande peso de responsabilidade colocado sobre seus ombros. A maioria dos episódios têm um ou dois monstros aleatórios aparecendo na cidade de Sunnydale, Califórnia, que é descrita como "Boca do Inferno", um ímã para bestas e demônios de todos os tipos. Normalmente, esses monstros funcionam como metáforas para problemas típicos da adolescência. Então, Buffy e seus amigos - a doce e lerdinha nerd Willow (Alyson Hannigan), o amigo dependente e meio bobão Xander (Nicholas Brendon) o bibliotecário da escola e treinador de matador de vampiros Giles (Anthony Stewart Head) - se juntam para destruir esse monstro. 

Uma vez que o modelo foi criado na primeira temporada, Whedon e seu time de escritores quase que imediatamente começaram a inovar a história, tentando descobrir como manter o público em suas mãos. O show se tornou cheio de reviravoltas, mas sempre usadas com maestria no momento certo em favor dos personagens. Os personagens sempre começavam uma temporada em um lugar e terminavam em outro, e esse crescimento era sempre orgânico. Se alguém 'virou' mal, não foi porque se deparou com um feitiço mágico ou algo similar. Era porque tinha sofrido ou sido ferido, porque não viu outra maneira de superar sua dor, a não ser devolvendo-a para o mundo. Isso também era aplicado às relações amorosas dos personagens, muitas vezes deslocadas, complexas e não-convencionais. Personagens exploraram suas sexualidades e destruíram uns aos outros através de rompimentos.

Conforme os personagens cresciam, as preocupações da série amadureciam com eles. Particularmente em suas três últimas temporadas, Buffy e seus amigos entraram numa fase negra, em que ficam introspectivos, questionando suas existências e o mundo ao seu redor. Whedon e seus escritores usaram os temas de 'escurecimento' para traçar um paralelo com o modo que Buffy e seus amigos encararam um mundo de incertezas e responsabilidades.

Enquanto isso acontecia, as ambições estilísticas da série foram se expandindo. Whedon cada vez mais ia para trás das câmeras, dirigindo episódios que incluíram: um sem nenhum diálogo, um musical e um experimental artístico sem nenhuma música e quase nenhum efeito de sonoplastia. A série permaneceu fofa e inteligentemente engraçada ao longo do tempo, mas o novelão adolescente repleto de pastelões das primeiras temporadas deu lugar a algo mais melancólico e profundo.

Não dá para selecionar episódios para comprovar o quanto Buffy influenciou a TV e foi uma das melhores produções dessa geração. Até porque muito de seu mérito vem de sua capacidade de desenvolver os personagens no decorrer da série e por explorar os mais diversos gêneros que se misturavam episódio por episódio. 

Mas para quem quer conhecer a série (ou quer apresentar a série a alguém) e não pode passar por todos os 150 episódios, aqui vão algumas sugestões dos melhores episódios da primeira e segunda temporada que melhor introduzem os personagens. A partir daí, recomendo assistir na íntegra da 3º até a temproada final.

S01E01 - Welcome to the Hellmouth
S01E02 - The Harvest
S01E07 - Angel
S01E10 - Nightmares
S01E11 - Out of Mind, Out of Sight
S01E12 - Prophecy Girl

S02E01 - When She Was Bad
S02E03 - School Hard
S02E06 - Halloween
S02E07 - Lie to Me
S02E08 - The Dark Age 
S02E09 - What's My Line?: Part 1
S02E10 - What's My Line?: Part 2
S02E13 - Surprise
S02E14 - Innocence
S02E15 - Phases
S02E16 - Bewitched, Bothered and Bewildered
S02E17 - Passion
S02E19 - I Only Have Eyes for You
S02E20 - Becoming: Part 1
S02E21 - Becoming: Part 2

Após a 4º temporada de Buffy, Whedon começou a co-escrever Angel, série que no Brasil fez mais sucesso que sua predecessora. Apesar da série ter também seus momentos de brilhantismo, e ter recebido alguns personagens saídos de Buffy, ela ainda é muito inferior à série original. 

BUFFY e ANGEL estão disponíveis no Netflix.


2. Dollhouse



Uma das principais características de Joss Whedon é a de contar histórias sem divisão clara de certo ou errado, e isso está ainda mais evidente em Dollhouse. Com a exceção do ex-agente do FBI Paul Ballard, todos na série são moralmente comprometidos - mas mesmo assim não conseguimos odiá-los. 

Em poucas palavras, Dollhouse é uma operação de escravidão moderna. Só que até mesmo o mais abjeto escravo é capaz de preservar algum núcleo de individualidade e livre arbítrio. Na Dollhouse, as pessoas são apagadas completamente, suas mentes são substituídas por tábulas rasas que a organização Dollhouse pode preencher com o que seus ricos clientes precisam. Você pode contratar uma pessoa linda para ser quem ou o que você quiser, e fazer o que você precisa que ele /ela faça. 

Vemos 'o mal' de Dollhouse mais claramente na história de Sierra (Dichen Lachman) - ela não se candidatou para ser uma doll. Em vez disso, ela recusou propostas sexuais de um cara rico, e ele ficou tão puto que gastou uma fortuna para apagar a memória dela, para que ele e seus amigos ricos pudessem contratá-la para ser um brinquedo sexual insaciável sempre que quisessem. Assim, logo que teve sua mente apagada, seu "Handler", o cara que deveria protegê-la, abusou de sua confiança e a estuprou, repetidamente. Este não é um exemplo isolado de abuso do uso da tecnologia na Dollhouse - esta é a Dollhouse.

E mais histórias profundas são apresentadas através das personagens de Eliza Dushku, Enver Gjokaj, Amy Acker e Miracle Laurie, manipulados nas mãos do cientista moralmente ambíguo e hilário Topher (Fran Kranz) e sob a liderança da voraz Adele (Olivia Williams).

Dollhouse é muito pior que escravidão, prostituição ou assassinato. É moralmente repugnante. E mesmo assim todos os personagens são clássicos personagens de Whedon: espirituosos, inteligentes, complexos... e um pouquinho adoráveis. E o mal de Dollhouse é mais complicado de combater do que o mal de Buffy, pois é o nosso mal interior.

Outros destaques são as fantásticas reviravoltas e como Joss Whedon e sua equipe conseguiram contornar o cancelamento prematuro da série e fazer um final sensacional que fechou com maestria todos os arcos de todos os personagens. A série tem duas temporadas curtas e um episódio 'piloto' que no DVD (e no Netflix) se tornou o final da primeira temporada, pois traz um 'foreshadowing' de como a série terminará.

Um grande exemplo de ficção-científica inteligente que consegue dar o devido destaque ao fator humano.

DOLLHOUSE está disponível no Netflix.


3. Dr. Horrible's Sing-Along Blog 



Joss Whedon mais uma vez inovou ao criar uma história lançada exclusivamente e gratuitamente online. Apenas três anos depois ela foi televisionada e cinco anos depois disponibilizada no Netflix. Ele escreveu junto com seu irmão como uma 'brincadeira' e acabou lançando uma das produções mais criativas dos últimos anos.

Trata-se de uma dramédia musical dividida em três atos. Neil Patrick Harris está perticularmente encantador e hilário no papel do não tão horrível, Dr. Horrible. Nathan Fillion está fofo como sempre, e propositalmente superficial, no papel do capitão Hammer. E Felecia Day, uma geek apaixonante e alvo perfeito da afeição dos protagonistas, completa o time de personagens que estrelam a produção. 

A história toda, juntando os três episódios, não chega a ter 50 minutos, com um roteiro bem desenhado, personagens bem desenvolvidos, diálogo excepcional, música, humor, pathos ... sim, Whedon e sua equipe continuaram a remodelar a "televisão"do século 21. Dessa vez com uma estética de graphic novel e uma requintada mistura de ilusão e realidade.

E mais uma vez Joss parte de uma história que parece bobinha e produz ela com uma cinematografia sensacional e personagens tão ricos que te fazem gargalhar e até chorar. Tudo em 50-fucking-minutes!

Assista Dr. Horrible's Sing-Along Blog no YOUTUBE.


4. O Segredo da Cabana (Cabin In The Woods)




Um filme que brinca com todos os clichês de filmes de terror. Joss Whedon mais uma vez apresenta personagens bem desenvolvidos e uma história criativa e hilária.

O filme funciona em três níveis diferentes, e apenas o nível superior pode realmente ser discutido sem estragar a história. E por favor, faça um favor a si mesmo e NÃO LEIA spoilers antes de assistí-lo). 

Então, o nível superior é este: cinco amigos (incluindo Chris Hemsworth, aka, Thor) vão passar um fim de semana em uma cabana na floresta. Eles percebem rapidamente que eles estão em algum ambiente macabro, e então eles começam a morrer! Assim como em todas as histórias de terror na floresta já contadas! Mas não é quem morre, ou até mesmo como eles morrem (embora as mortes são super-bem feitas), é por que eles morrem que faz o filme tão interessante. 

Além disso, o filme ainda se apresenta como uma história sobre como lidar com as limitações humanas. Esse é o presente que Cabin vai lhe dar - uma visão quase assustadora do porquê nós amamos filmes de terror.


5. Firefly 



Apenas Joss Whedon consegue humanizar e tornar verossímel ladrões de um faroeste pós-apocalíptico que vivem em uma espaçonave reciclada. 

Eu não fiquei fã da série no primeiro episódio. Eu pensei: "É boa. Mão não merece essa babação de ovo". Demorou uns 3 ou 4 episódios para eu começar a me interessar... e no final dos 14 eu já estava rendido.  

Pra começar, Mal (Nathan Fillion) parece ser um anti-herói clichê, mas ele é mais profundo do que isso. É um homem desapontado, traído por seus ideais, que não conseguiu mudar o mundo e torná-lo "certo". Agora ele está recuado em seu próprio cantinho do universo, um refúgio auto-suficiente que ele pode controlar, se puder manter seus inimigos da Aliança (grupo político que domina a terra pós-apocalíptica) à distância.

Esta realidade alternativa é Serenity, sua nave. Ele faz as regras e se você não aceitar as regras você está fora. Ele cria um lar e uma família onde seus ideais são seguros, ou pelo menos defensáveis. Serenity é um pequeno espaço onde a lealdade é tão importante quanto liberdade, coragem e amor. Ele se vê como o líder desta pequena sociedade, encarregado de proteger esses valores, e proteger e prover a sua tripulação, que são sua família. E ele os provê levando-os a uma vida de crime. 

Ele é criminoso, mas em sua realidade alternativa elaborada ele se vê como algo diferente, algo nobre e justo. Será que ele está enganando a si mesmo? Em diversos momentos da série ele é confrontado com esta questão.

E este é apenas um de um elenco incrível de personagens com muito mais complexidades. O braço direito e bad-ass Zoe (Gina Torres), o hilário piloto Wash (Alan Tudyk), a prostituta de luxo pós-moderna Inara (Morena Baccarin), o misterioso Jayne (Adam Baldwin), a mecânica Kaylee (Jewel Staite), os irmãos fugitivos Dr. Simmon (Sean Maher) e a alucinada e super poderosa River (Summer Glau). E é justamente como estes personagens convivem e interagem que faz com que as histórias de Joss Whedon sejam tão incríveis. 

A série foi cancelada na primeira temporada. O que torna obrigatório assistir o filme Serenity, no qual a história é fechada.

FIREFLY e o filme SERENITY estão disponíveis no Netflix.



Então, fica a dica. Mergulhe no Whedonverse e assista suas produções nessa ordem. E você nunca mais verá uma outra série da mesma maneira.

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